1. Introdução

 

Em julho de 2020, o assunto “pessoas trans nos esportes” voltou à mídia. A Presidência da Comissão de Assuntos Desportivos da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo foi ocupada, no dia 30 de junho, pelo deputado estadual Altair Moraes (Republicanos), autor do Projeto de Lei nº 346 e discutiu-se novamente nas redes sociais acerca de sua aprovação ou rejeição. A proposição reafirma o que até poucos anos atrás era unanimidade para todos e todas nós – que esportes devem ser divididos pelo sexo biológico – e é similar a outras em curso nos Estados do Rio de Janeiro, Santa Catarina, Paraná e Distrito Federal, bemcomo a projetos de lei em trâmite no Congresso Federal e também em outros países: em junho deste ano, o Setor de Direitos Civis do Departamento de Educação dos EUA decidiu, atendendo ao pedido de um grupo de garotas lesadas por atletas que se declararam transgênero, que separar esportes por “identidade de gênero” é discriminatório em relação às atletas do sexo feminino.

 

 

A disputa judicial foi cercada de polêmica; uma delas foi se os advogados de Selina Soule, Alana Smith (ambas na foto acima) e Chelsea Mitchell tinham ou não o direito de dizer que atletas do sexo masculino são do sexo masculino. A decisão afetaria também o direito à educação delas, pois, conforme Selina explica em nosso canal no Youtube, vencer competições no Ensino Médio pode abrir portas para bolsas de estudo em universidades. 

Muito provavelmente, você sabe que seres humanos do sexo masculino têm vantagens desportivas sobre os do sexo feminino; que são, na média, mais altos, mais fortes e mais rápidos, por exemplo. Mas talvez tenha duvidado de si depois de ouvir que, supostamente, “as atletas trans perdem todas essas vantagens depois que passam pela terapia hormonal” e que, portanto, o Brasil deveria obedecer às diretrizes atuais do Comitê Olímpico Internacional. O órgão, em 2003, sugeriu que o critério objetivo do sexo fosse substituído pelo subjetivo da “identidade de gênero” na admissão de atletas nas competições e, desde então, foi progressivamente diminuindo as exigências para a participação destes esportistas. Considerando que o tema, de maneira geral, vem sendo tratado de maneira pouco racional e até mesmo com a disseminação das chamadas fake news, nossa campanha convida você a conhecer os argumentos dos dois lados e concluir por si mesmo (a) sobre qual dos critérios deveria nortear a separação nos esportes.

 

2. Os argumentos dos que defendem a separação por sexo biológico: uma maneira de garantir a justiça e segurança nos esportes

 

Os esportes têm critérios de admissibilidade para garantir a justiça e a segurança das e dos atletas. Desta forma, para refletirmos se o Comitê Olímpico Internacional agiu corretamente ou não em mudar suas diretrizes e se as demais instituições deveriam copiá-lo ou não, devemos avaliar se essa mudança preservou estes dois princípios basilares.

Como adultos e adultas têm vantagens sobre meninos e meninas, cidadãos sem necessidades especiais sobre os que as detêm e, finalmente, indivíduos maiores e mais pesados sobre os mais baixos e leves em determinadas modalidades como o boxe, dividimos os esportes por critérios como, respectivamente, faixa etária, presença ou não de necessidades especiais e, se for o caso, subcategorias (no boxe, peso-pena, peso-leve, peso-pesado…) Se lutadores de judô de 25 anos se engalfinhassem com garotos de 12, se o time olímpico de rugby jogasse contra o time paraolímpico dessa mesma modalidade e se um peso-pesado entrasse no ringue com um peso-pena os resultados seriam não só injustos como perigosos, acarretando lesões corporais graves e mortes.

Assim como existem os critérios acima, o critério sexo biológico existe porque, na média, homens têm vantagens físicas sobre mulheres. Todos os estudos, livros e estatísticas já produzidos confirmam isso; além de mais altos, fortes, rápidos e resistentes, eles têm em regra mãos maiores, braços e pernas mais longos, ossos mais densos, mais massa muscular e maior oxigenação sanguínea, causada pela maior quantidade de hemoglobina no sangue conjugada com o tamanho maior dos pulmões e do coração. Ainda que não tivesse sido produzido estudo algum, isso seria facilmente verificável pela discrepância (gap) entre o desempenho final de cada sexo nessa seara: eles completam provas como atletismo e natação em menos tempo, a carga que campeões de levantamento de peso erguem é maior e por aí vai. Finalmente, ainda que nem estudos e nem competições esportivas existissem, nós poderíamos comprovar isso empiricamente, através da nossa própria vivência e experiência como homens e mulheres interagindo em sociedade há algumas centenas de milhares de anos. 

Este texto em português é uma boa fonte para você entender o que está acontecendo. Ele faz um breve histórico da luta de meninas e mulheres pelo acesso ao esporte, descreve o processo discutível pelo qual o Comitê Olímpico Internacional mudou suas diretrizes, cita artigos científicos, profissionais de saúde brasileiros, estrangeiros e atletas sobre a diferença sexual e, finalmente, elenca alguns dos casos em que, desde que essa mudança aconteceu, os prêmios, títulos e medalhas dos esportes femininos foram para as mãos de atletas do sexo masculinos.

 

Também sugerimos que você conheça o site da campanha Save Women´s Sports (Salvem Os Esportes Femininos), que também lista artigos científicos comprovando as vantagens dos nascidos homens e evidenciando que elas não são eliminadas com o simples bloqueio de testosterona. A Save Women´s Sports fez um abaixo-assinado , traduzido em português, para pressionar o Comitê Olímpico Internacional a voltar a separar os esportes por sexo biológico. No Youtube também há um vídeo muito bom de uma audiência pública na Câmara dos Deputados sobre o assunto mostrando os argumentos de ambos os lados. 

Para ficar em apenas três estudos:

. Este mostra como a testosterona beneficia os homens nos esportes e diz que “Competições atléticas de elite têm provas separadas para homens e mulheres devido às vantagens físicas dos homens em força, velocidade e resistência a fim de que por isso uma categoria feminina protegida, com critérios de entrada objetivos, é necessária.”

. Este compara a diferença nos resultados de homens e mulheres (gender gap) em diversas modalidades (natação, ciclismo, atletismo….); diferença essa que não muda substancialmente desde 1983: “Estes resultados sugerem que mulheres não irão correr, pular, nadar ou pedalar tão rápido quanto os homens”.

. Este mostra que homens e até rapazes medianos venceriam facilmente as corredoras mais rápidas do mundo. Os recordes delas são superados por eles milhares de vezes por ano. “Este diferencial não é o resultado de rapazes e homens terem uma identidade masculina, mais recursos, melhor treinamento ou mais disciplina. É porque eles têm um corpo androgenizado”.

Se os estudos dizem isso (assim como toda a literatura científica já produzida ao longo do século), então como o Comitê Olímpico pode dizer que também se baseou em estudos? Bem, em primeiro lugar, é importante termos um olhar respeitoso, mas crítico, em relação à produção acadêmica. Estudos, pesquisas e artigos são fundamentais, mas não configuram provas absolutas ou dogmas; em regra, indicam tendências, resultados, possibilidades, riscos – “tem estudo pra tudo”, como você já ouviu. São, ou deveriam ser, livremente criticados e superados (é assim que a Ciência caminha!), pois podem ser de alta ou baixa qualidade, conter erros variados, partir de premissas falsas, falhas de metodologia, chegar a conclusões incompletas ou equivocadas. Existe censura na academia; aqui segue uma lista de pesquisadoras censuradas em universidades (inclusive a porta-voz da nossa campanha) por suas ideias acerca de sexo, gênero e Teoria Queer; frequentemente ouvimos que “concordo totalmente com o que vocês dizem, mas se eu falar isso minha carreira acadêmica acabou”. Estudos também são influenciáveis pelas visões pessoais dos autores e autoras, pressões acadêmicas, políticas, ideológicas e por quem financia a experiência, o (a) pesquisador (a) e ou a instituição para quem ele (a) trabalha. Só para lembrar, o famoso “protocolo holandês”, adotado por diversos países (inclusive pelo Brasil, por meio do Hospital das Clínicas de São Paulo) e que prevê o uso de hormônios artificiais nos corpos saudáveis de crianças e adolescentes, foi pago pelo laboratório Ferring Pharmaceuticals, que vende essas substâncias:

O biólogo Eli Vieira apontou , analisando os estudos utilizados pelo Comitê Olímpico para justificar a mudança nos critérios: 

Há uma revisão sendo citada preferencialmente pelo campo que nega as vantagens biológicas das mulheres trans ou alega que são implausíveis. Eis os problemas dessa revisão: avaliou somente oito artigos de pesquisa. Para dar uma noção da novidade do assunto, o artigo mais antigo é de 2004. A maioria desses meros oito artigos revisados é baseada em métodos qualitativos, como entrevistas, que não dão dados objetivos para testar diferenças. Os únicos dois estudos que sobram com dados objetivos têm amostras minúsculas: em um deles, somente 19 atletas trans foram testadas. Conclui-se nesse que as atletas trans estão muscularmente dentro da normalidade feminina. No entanto, a chance de as conclusões não serem confiáveis por causa da amostra pequena são consideráveis, e a diferença entre masculino e feminino não está somente nos músculos. O outro estudo não considerou atletas, e, também com uma amostra relativamente pequena de transexuais (n=33), concluiu que essas pessoas se exercitam menos, o que dificilmente é o caso entre trans que desejam ser atletas profissionais. O mesmo problema de amostras pequenas demais se repete em outros estudos não citados na revisão (como as minúsculas amostras n=8 e n=6).

O foco principal dessa revisão é político/moral: mais de 30 diretrizes esportivas sobre o assunto foram consideradas. Os resultados apresentados no resumo são todos argumentos pró-inclusão, ou seja, são argumentos na discussão moral. A revisão diz que não há estudos diretos suficientes da vantagem das trans e que por isso não se pode concluir que elas têm vantagem. Com base nisso os autores pedem que as diretrizes esportivas que as excluem precisam mudar em nome da inclusão. Mas essa é uma forma enviesada de fazer uma conclusão, pois, com os mesmos dados, podemos dizer que não há evidência direta suficiente, também, de que as trans não têm vantagem em relação às outras atletas femininas.” (grifos nossos)

O texto, agora nas palavras da autora Bianca Chella, continua: 

No entanto, existem muitos outros estudos que não apresentam as mesmas falhas que os anteriores e demonstram a inferência indireta de que as atletas trans têm vantagem física no esporte feminino:

Mulheres Trans Apresentam Maior Aumento na Densidade Mineral Óssea

Massa Muscular Esquelética e Distribuição em 468 Homens e Mulheres entre 18 e 88 anos

Diferenças Sexuais na Fadiga do Tecido Muscular Estriado

Diferenças Sexuais no Tronco, Pelve e Cinemática dos Membros Inferiores Durante Agachamento com uma Perna

Uma Revisão Sistemática da Literatura de 10 Anos de Pesquisa sobre Sexo e Percepção Experimental da Dor (grifos nossos)

Ou seja: o Comitê Olímpico Internacional se baseou em um reduzido número de estudos, feitos com um pequeno número de indivíduos (entre eles não-atletas), contendo dados obtidos, até mesmo, via entrevistas… Estas são evidências que podem, genericamente, ser classificadas como de baixa precisão e qualidade. Há evidências de que após intervenções hormonais o desempenho de machos biológicos pode sim decair, mas decair em relação à média dos outros indivíduos biologicamente macho e não em relação à média de seres humanos biologicamente fêmea; são duas coisas totalmente diferentes. Neste mês de julho, foi publicado um artigo científico bem completo sobre o tema, que revisou a literatura existente sobre o assunto e concluiu:

Um ano do tratamento com hormônios cruzados resultou em força muscular aumentada em homens trans. A área cross-seccional e a densidade radiológica também aumentaram depois do tratamento com testosterona. Entretanto, mulheres trans mantêm seus níveis de força bem como a área cross-seccional e a densidade radiológica através do período de tratamento. Nós concluímos que a alteração do padrão dos hormônios sexuais induzida pelo tratamento afirmativo de gênero afetam diferenciadamente a força muscular em homens trans versus mulheres trans” (grifos nossos).

Ainda que, especificamente em relação ao quesito força, atletas trans estivessem na média feminina, há outros quesitos que fazem a diferença na maioria dos esportes como a altura e a resistência. Homens são na média mais altos e isso não muda com a aplicação de hormônios artificiais (sim, existem jogadoras de 1m94cm, mas quantas mulheres de 1m94cm você conhece e quantas conseguem chegar aos esportes de elite? O fato de algumas mulheres serem mais altas que muitos homens deveria ser usado contra elas?). Em relação à resistência, por terem construído seus corpos, por décadas, com muito mais testosterona, um anabolizante natural, machos humanos têm quantidade maior de hemoglobina, a qual, conjugada com o tamanho maior dos pulmões e coração, confere maior bombeamento de oxigênio no sangue e portanto maior resistência. Essas vantagens, mesmo com todos os avanços da medicina transgênera, ainda não podem ser revertidas. Além do que, meninas e mulheres também passam por processos que podem influenciar e ou até impedir provisoriamente sua participação numa partida, como a menstruação (que pode ou não vir acompanhada por TPM e cólicas menstruais), a gravidez, o parto e o pós-parto.   

Assim, há ampla comprovação de que seres humanos biologicamente macho têm, na média, vantagens sobre seres humanos biologicamente fêmea nos esportes e não há comprovação alguma de que essas vantagens sejam neutralizadas pela redução dos níveis de testosterona. A mudança operada pelo Comitê Olímpico Internacional, portanto, prejudica a justiça nos esportes.

Além de ferir a justiça, a separação por “identidade de gênero” também prejudica a segurança, pois coloca em risco a integridade física e a vida de meninas e mulheres. Um caso emblemático foi o de Fallon Fox, que nasceu homem e causou em sua oponente Tamikka Brents lesões corporais graves e raras no MMA feminino: em menos de três minutos, foi uma concussão, fraturas no osso orbital e o encaminhamento de Tamikka ao hospital; os médicos precisaram colocar sete pinos na cabeça da lutadora. À época, circulou um abaixo-assinado para a retirada de Fallon do MMA com fotos chocantes. Em inglês, lê-se o recado para a oponente derrotada: “Fique mais forte a partir dessa dor, não deixe que ela te destrua”:

Após a luta, que pode ser vista aqui numa filmagem amadora, Tamikka declarou: “Eu lutei contra muitas mulheres e nunca senti a força que eu senti numa luta como eu senti aquela noite. Eu não posso responder se é porque ela nasceu homem ou não porque eu não sou médica. Eu posso apenas dizer que eu nunca senti uma força tão grande em toda a minha vida e sou uma mulher muito mais forte que a média pelo meu próprio esforço. Seu golpe era diferente; normalmente eu consigo me mover quando as atletas me seguram, mas eu não pude me mexer de jeito nenhum quando Fox me agarrou”. 

Tamikka acreditaria, realmente, que só médicos conhecem as vantagens  de lutadores nascidos homens? Provavelmente, ela apenas tentou se proteger das acusações de “transfobia” que, ao final de 2019 e novamente em 2020, vitimariam a escritora JK Rowling. Fallon Fox, aliás, aproveitou o linchamento virtual de JK para escrever no Twitter da criadora de Harry Potter:

Fêmea Humana Adulta (@soufemeahumana) | Twitter

“Que fique registrado, eu nocauteei duas. O crânio de uma mulher fraturou, o da outra não. E só para vocês saberem, eu adorei. Olha, eu adoro destruir TEFS presas que falam nonsense transfóbico. É um êxtase! Não fiquem chateadas”. 

“TEFS”, possivelmente, foi um erro de digitação quando o intuito era escrever “TERFs”. “TERF” é um termo que significa “trans-exclusionary Radical Feminist” (“Feminista Radical trans-excludente”) mas que na prática é usado basicamente contra qualquer pessoa (incluindo mulheres não-feministas e às vezes até homens) que se recusam a repetir o mantra “mulheres trans são mulheres, homens trans são homens”. Devido a denúncias de que as palavras de Fox configuraram discurso de ódio contra mulheres, o Twitter deletou sua postagem. Desconhecemos se algum ativista trans condenou as declarações.

Fallon Fox não foi o único nome que, em nome da “inclusão trans no esporte”, causou lesões corporais em mulheres que poderiam levá-las à aposentadoria precoce.

Hannah Mouncey cleared to play at state league level

Hannah Mouncey (acima), 1,90m e 100kg, do time de handebol australiano, quebrou a perna de uma atleta e há rumores de que a lesão obrigou a moça a se aposentar. Vendo vídeos de sua atuação, com seu corpo gigante, não é difícil imaginar o dilema das jogadoras: pontuar ou proteger a própria integridade física? A lesão corporal foi noticiada em 2017 pelo jornal Herald Sun, mas a notícia desapareceu misteriosamente depois; felizmente, ainda é possível lê-la no link arquivado do jornal. Trecho: “Ela quebrou suas próprias costelas num acidente e uma jogadora quebrou a perna numa disputa de pernas com Mouncey”. Mouncey também se queixou ao Star Observer que “havia um grupo de jogadoras no time, apoiadas pelo técnico, que não me queriam tomando banho ou usando o vestiário antes ou depois do jogo”.

 

3. Quais os argumentos dos que, a despeito destas evidências, insistem na separação por “identidade de gênero?

 

A fim de aproximar essa discussão internacional da realidade brasileira e considerando que é em São Paulo que ela está mais avançada, procuramos priorizar falas oriundas de políticos, ativistas e veículos desse Estado e que tiveram como alvo principal o Projeto de Lei nº 346/2019. Iniciamos trazendo a você declarações de alguns deputados estaduais contra o projeto: respectivamente, Erica Malunguinho, Erika Hilton e Isa Penna (PSOL-SP), Jorge Caruso (PMDB), Bete Sahão e Professora Bebel  (PT-SP) e, finalmente, Marina Helou (REDE-SP):

Percebe-se que os parlamentares estão afirmando algo que não é verdade: que a separação por sexo biológico “exclui” pessoas de competições. Foram utilizadas expressões como  “excluem trans dos esportes”, “proíbe trans”, “bane trans” e retirar “o direito ao trabalho”. Na verdade, ninguém está sendo impedido de competir: qualquer um continua com os mesmos direitos de ingressar em times, lutas, provas, bastando que o faça na categoria referente ao seu sexo biológico, sem usar da vantagem conferida pela biologia.

Você talvez tenha percebido, também, que eles não consideraram o impacto que a separação por “identidade de gênero” teve na justiça e na segurança desportivas. Foram proferidas palavras vagas e de conteúdo emocional sobre a proposição: supostamente, ela “instiga diferenças”, “maltrata pessoas”, é “retrocesso”, fere “a diversidade”, é “transfóbica”, seriam “todos iguais perante a lei”. Eles consideraram apenas as exigências trans e não as consequências para meninas e mulheres. Dizer que um projeto assim “instiga diferenças” e que “todos são iguais” é desconsiderar que as diferenças entre os sexos existem (há alguns milhões de anos, aliás) e que não, biologicamente não somos iguais; afirmar que “maltrata pessoas” e “fere” é fazer pouco dos danos físicos, psicológicos e patrimoniais causados a elas por essa “inclusão”; falar em “retrocesso” é irônico quando as políticas de “identidade de gênero” fazem, precisamente, com que as conquistas delas retrocedam; finalmente, a cartada de “transfobia” é uma tática corriqueira para encerrar o debate sobre as consequências das políticas de “identidade de gênero”.

Lamentavelmente, as declarações destes parlamentares foram ecoadas por algumas entidades que utilizam siglas como “LGBT”, e “LGBTQ+ e “LGBTQIA”. Encontramos as seguintes postagens da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-SP, da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo – APOGLBT e do time Angels Volley Brazil

 

Considerando que a sigla LGBT e suas variantes supostamente representariam os interesses de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais etc., deveria ter sido avaliado o impacto do projeto para todos estes grupos, incluindo, é claro as mulheres. Isso não aconteceu: repetiu-se a mesma falácia de que dividir por sexo seria “excludente”, quando, repetimos, ninguém foi excluído; aliás, o Brasil tem uma atleta trans, Anne Viriato, que luta exclusivamente contra homens no MMA, reconhecendo que seria injusto competir com mulheres. A mesma parcialidade orientou organizações LGBT´s internacionais como a GLAAD, a qual está inclusive promovendo uma campanha contra a CrossFit porque esta, corajosamente, dividiu suas competições pela biologia, indicando que a sigla LGBT prioriza o “T” em detrimento do “LGB”. Talvez seja o momento de admitirmos que a “sopa de letrinhas” atual aglutina interesses variados com pouco ou nada em comum e até mesmo colidentes. A luta pelo direito à orientação sexual se baseia no reconhecimento de que o sexo biológico existe e importa; o direito à “identidade de gênero”, contudo, significa, em algum nível, negar a diferença sexual.

A mesma postura de priorizar o transativismo em detrimento de meninas e mulheres foi adotada pela ACLU, a “União Americana de Liberdades Civis”,  organização de Direitos Humanos norte-americana – e que portanto deveria se preocupar também com os Direitos Humanos do sexo feminino. A ACLU, tempos atrás, se esforçou para conciliar interesses em relação a banheiros e por fazê-lo sua diretora, uma mulher negra, foi acusada de “agir como a Ku Klux Klan”. Seja por medo, cansaço, interesses financeiros ou políticos, a ACLU agora decreta: “Banir garotas trans dos esportes não é nem feminista nem legal” (“legal”, aqui, está sendo usado no sentido de “de acordo com a lei”). Mas lembremo-nos de que ninguém está sendo “banido”.

 

Conclui-se que os defensores da separação por sexo biológico se baseiam em fatos. Os fatos indicam que a mera diminuição da testosterona em pessoas do sexo masculino não têm o condão de neutralizar suas vantagens desportivas, independente de como se autoidentifiquem, e essa vantagem retira de meninas e mulheres a praticar esportes com justiça e segurança. Os fatos indicam que pessoas do sexo masculino que competindo com homens eram atletas medianos, ao passarem para a categoria feminina, começaram a ganhar prêmios, medalhas, troféus, bolsas de estudo, patrocínio e visibilidade )enquanto o mesmo não sucede com pessoas do sexo feminino que se identificam como homens trans. Os fatos indicam que pessoas do sexo masculino estão causando lesões corporais graves a atletas mulheres.

Por seu turno, defensores da separação por “identidade de gênero” se basearam numa informação falsa (a de que separar por sexo biológico “exclui pessoas trans dos esportes”) e em uma sugestão do Comitê Olímpico sem embasamento suficiente e que, de qualquer forma, não é de cumprimento obrigatório pelas organizações esportivas ou pelos legisladores brasileiros (as). Finalmente, utilizam argumentos emocionais em vez de racionais – talvez porque saibam, intimamente, que não têm razão.

4. O que a mídia está dizendo sobre o assunto

 

A falha destes políticos e ativistas poderia ter sido minimizada se a imprensa tivesse feito uma cobertura jornalística equilibrada e perguntas adequadas. Será que isso aconteceu? Seguem-se, respectivamente, prints de manchetes e links de publicações dos seguintes veículos: Globo Esporte, Veja, O Estado de São Paulo, UOL, Consultor Jurídico, Revista Fórum, Brasil de Fato, Rede Brasil e, finalmente, Jornalistas Livres

 

 

Lamentavelmente, as manchetes estamparam a mesma informação falsa de que a separação por sexo excluiria indivíduos de competir: “vetar atletas trans”, “proibir pessoas trans”, “excluir”, “barrar”, “banir”… A Folha de São Paulo até utilizou um subtítulo mais honesto (“limita a atuação de transgêneros”), mas isso foi anulado pela manchete escolhida e pelo teor da entrevista. Lendo o corpo das matérias, vemos que, de uma maneira geral, houve mais espaço para os que estão contra o PL 346 do que para os que que o defendem e pontos essenciais foram ignorados. A ironia maior foi um veículo que se denomina “Jornalistas Livres” realizar uma live no Facebook e no Youtube em que o papel da mulher foi, na prática, o de “mediar” um não-debate e legitimar o discurso trans. O direito à fala foi conferido aos transativistas (Erica Malunguinho, Erika Hilton, Tifanny Abreu, Leonardo Peçanha e Bernardo Gonzalez) e de Valdir Campos, advogado de Tifanny (o comentarista esportivo Walter Casagrande, anunciado no flyer, não compareceu). 

Recomendamos que você pesquise e analise outras opiniões sobre esta proposição legal e sobre similares que tramitam em outros Estados brasileiros, no Congresso Nacional e no âmbito internacional. Acreditamos que você encontrará o mesmo discurso tendencioso; acerca dos PL´s protocolados no Distrito Federal, por exemplo, a coluna “Olhar Olímpico”, do UOL, afirmou aos leitores que se tratava de tentativas de “proibir mulheres trans da [ sic ] participarem de competições esportivas no Brasil”:

Essa mesma postura foi adotada pela agência internacional Reuters, a mais poderosa do planeta. A fundação Thompson Reuters, aliás, é co-responsável por uma espécie de “guia” para organizações LGBT´s fazerem lobby pela redução da idade mínima para “transição” de crianças e adolescentes. Nesse caso, há um perigoso efeito dominó, pois agências internacionais pautam jornais do mundo todo (sai mais barato “comprar o pacote de notícias” delas do que manter correspondentes em vários países ou contratar jornalistas locais para realizar o processo de apuração e redação). Assim a agência se manifestou quando da aprovação pelo Estado norte-americano de Idaho do critério biológico: “Idaho se torna o primeiro estado dos EUA a banir atletas trans”:

 

Registramos duas matérias que trataram do tema de maneira mais equilibrada. A primeira pode ser lida na coluna Extraordinárias, de Debora Miranda, na UOL e a segunda, cuja autoria não foi mencionada, na Gazeta do Povo:

 

A matéria de Débora Miranda tem pontos positivos e negativos. Ela garantiu a voz do sexo feminino citando falas de Beth Steltzer, atleta fundadora da já citada campanha Save Women’s Sports (Salvem o Esporte Feminino) e marcou um gol ao pontuar que “acusar preconceito não pode ser a única ferramenta de defesa das mulheres trans”. Por outro lado, a manchete usou a expressão “barrar mulheres trans no esporte” (quando ninguém está sendo barrado) e utilizou o questionável termo “cisgênero”, cuja abreviação é “cis”; em outra oportunidade, dissertaremos sobre isso. A redação da peça também legitimou, ainda que não fosse a intenção da autora, o uso de hormônios bloqueadores de puberdade em crianças, os quais têm inúmeros efeitos colaterais como o enfraquecimento dos ossos. Também discordamos de que seja errado dizer que atletas do sexo masculino são do sexo masculino. Qualquer discussão honesta começa com a verdade, principalmente quando o negacionismo do sexo causa prejuízos que, como no caso da lutadora Tamikka Brents, são sentidos literalmente na pele.

A Gazeta do Povo, por seu turno, equilibrou a cobertura tendenciosa dos outros veículos fazendo uma ótima matéria. Utilizou a palavra correta para falar de mulheres, que é “mulheres”, fez uma manchete que retrata a realidade dos fatos (quer-se banir seres humanos biologicamente macho do esporte feminino e não “dos esportes”), utilizou uma foto condizente com o assunto (que retrata o desequilíbrio entre os sexos), citou a Save Women´s Sports (possibilitando a seus leitores e leitoras que acessem o vasto material recolhido pela campanha), citou casos de atletas biologicamente macho que venceram provas femininas, denunciou a espiral de silêncio e medo em torno do imbróglio e garantiu direito de fala a uma atleta experiente e a um advogado da área esportiva: Ana Paula Henkel e Marcelo Franklin.

Assim, há evidências de que, de uma maneira geral, a mídia não está garantindo à população uma cobertura objetiva e balanceada, descumprindo princípios éticos e desrespeitando o direito dos leitores e leitoras à informação. Há dezenas de profissionais de saúde, cientistas, atletas, treinadores (as) do Brasil e do mundo que poderiam ter sido entrevistados (as); se o problema era o medo de retaliações, bastava ocultar nomes. Também deveriam ter sido ouvidos (a) mais juristas, considerando as alegações de que projetos de lei estaduais nesse sentido seriam “inconstitucionais” e “não podem contrariar as regras do Comitê Olímpico”. Essa opinião é no mínimo controversa, pois os Estados brasileiros também têm competência para legislar sobre esportes, assim como os Estados norte-americanos que estão sediando a mesma batalha. O Brasil, enquanto um país soberano, não é obrigado a redigir sua legislação de acordo com as diretrizes do COI; elas são meras sugestões e não um tratado internacional assinado pelo governo! A Federação Paulista de Voleibol e a Confederação Brasileira de Voleibol escolheram seguir essas sugestões, mas a USA Powerlifting, por exemplo (a associação estadunidense de levantamento de peso) corajosamente trilhou o caminho correto e redigiu uma nota pública que, citando vários estudos, reafirmou que a superioridade física de machos humanos adultos “não são eliminadas pela redução de androgênicos como testosterona, levando a uma vantagem potencial em esportes de força como levantamento de peso”.

5. Conclusões e chamada à ação

 

Realizar publicamente alguma crítica em relação a políticas trans, seja relativa a esportes, seja acerca de intervenções hormonais em corpos infanto-juvenis, é dificílimo e você já deve saber disso. Mesmo no ambiente universitário, espaço de debate por excelência, é assim; aliás, principalmente nele! 

Um dos motivos para a narrativa trans ser privilegiada em detrimento das demais é o uso maciço de argumentos emocionais. Argumentos emocionais funcionam (profissionais de propaganda e marketing que o digam) porque a maioria das pessoas é menos racional do que imagina. Você sabe que homens têm vantagens físicas sobre mulheres, mas e se te disserem que “você está matando pessoas trans”? Você sabe que crianças e adolescentes não têm maturidade para entender a ação e as consequências dos hormônios artificiais fornecidos no Hospital das Clínicas de São Paulo, mas e se um amigo te garantir que “se os pais não assinarem essas autorizações as crianças vão se matar”

Coincidentemente, em meio à discussão sobre “trans nos esportes” surgiu uma criança apontada como “transgênero” que, na narrativa maciçamente repetida na mídia, também estaria sendo impedida de competir na categoria feminina. Nossa campanha sempre foi crítica à prática de nomear crianças e adolescentes como “trans” e alterar seus nomes, sobretudo porque isso dificulta que elas aceitem seus corpos – prognóstico mais comum antes que eles fossem transformados em nicho de mercado da medicina transgênera. Agora, chamamos a atenção para um outro risco: o de que, ainda que não seja a intenção dos pais, menores de idade sejam usados para facilitar a aprovação dos projetos, pautas, tratamentos e ideias que podem beneficiar o ativismo trans, mas que não necessariamente beneficiam os pequenos.

E esses projetos são aprovados a toque de caixa e sem que profissionais da área possam participar da discussão enquanto classe e em sua diversidade de ideias, num modus operandi sorrateiro descrito por nossos interlocutores e interlocutoras de várias partes do mundo: Estados Unidos, Argentina, Reino Unido, Canadá – neste, os pais e mães já não podem nem mesmo decidir sobre o que a medicina da “identidade de gênero” faz nos corpos de seus próprios filhos. Quando finalizávamos este texto, nossos leitores e leitoras, que mal digeriram ainda a Resolução nº 2265/19 do Conselho Federal de Medicina, foram surpreendidos com o “Protocolo para o atendimento de pessoas transexuais e travestis no município de São Paulo”. O terrorismo de gênero chega a policiar crianças a partir dos 2 anos!

Encerramos com um convite à ação caso você tenha concluído, como esperamos, que é a separação por sexo biológico que preserva a justiça e segurança nos esportes, independente de convicções partidárias e ideológicas.

Primeira sugestão: você poderia nos ajudar pressionando o Comitê Olímpico Internacional a revisar suas diretrizes, apoiando o abaixo-assinado da Save Women´s Sports? A campanha inclusive acaba de nomear uma representante no Brasil, a carioca Maíra Maximiano, que pode ser contactada no e-mail [email protected] .

Segunda sugestão: você poderia pressionar pela aprovação de leis federais nesse mesmo sentido? É só enviar este texto (ou escrever com suas próprias palavras, se preferir) para deputados e deputadas federais, senadores e senadoras e Governo Federal.

Terceira sugestão: vamos aprovar os projetos de lei estaduais que tramitam nesse sentido, bem como garantir que, nos Estados que ainda não o tenham, eles sejam propostos? A lista de e-mails dos deputados (as) estaduais está no site da assembleia legislativa do seu Estado (se for São Paulo, por exemplo, é esta aqui). Assim, se já houver aí iniciativas similares ao PL 346, nosso texto pode convencer parlamentares a lutar pela aprovação delas; se não houver, é uma sugestão para que sejam iniciadas.  

Quarta e última sugestão: você poderia assumir um compromisso com a proteção de meninas e mulheres no esporte e, continuamente, espalhar esta mensagem? Pode ser para amigos (as), parentes, alunos (as), colegas de trabalho, escola e faculdade, estudantes de Educação Física, professores (as), jornalistas (cobre que ouçam o outro lado!)… Lembre-se também que 2020 é ano eleitoral e vereadores (as) e prefeitos (as), mesmo que talvez não possam propor projetos como estes, podem e devem tomar conhecimento do que se passa e, quem sabe, sensibilizar seus e suas colegas de partido.

Finalmente, deixamos algumas perguntas no ar e ficaremos felizes se você puder perder alguns minutos refletindo sobre elas.

Como você pôde comprovar, nem políticos, nem organizações “LGBT”, nem a mídia trouxeram a você todas as informações que deveriam acerca de políticas de “identidade de gênero” aplicadas aos esportes. Por que você deveria confiar no que eles te dizem sobre as políticas de “identidade de gênero” aplicadas à saúde, em especial sobre as intervenções nos corpos das crianças e adolescentes atendidos nos ambulatórios de “identidade de gênero” do Hospital das Clínicas de São Paulo e do Rio Grande do Sul?

Como um grupo numericamente tão pequeno obteve em poucos anos o que outros levaram décadas ou séculos para obter? Como conseguiu transformar todas as legislações nacionais e internacionais, políticas públicas, práticas médicas, diretrizes educacionais, escolares e acadêmicas, cooptar políticos, partidos, movimentos sociais, ONG´s, órgãos públicos, empresas privadas e meios de comunicação? O que há, de verdade, por trás de uma agenda aparentemente bem-intencionada de “inclusão” e “diversidade”?