Observação da nossa equipe: o texto abaixo nos foi enviado por um grupo de doulas que, temendo represálias, pediu para não ser identificado. Coincidentemente, dias atrás, seguindo a mesma agenda internacional criticada por estas profissionais, um indivíduo obteve na Justiça brasileira o direito de ser legalmente reconhecido como “sem gênero”. Devemos nos perguntar, para além das superficiais matérias jornalísticas sobre o assunto, sobre as consequências concretas da desconstrução legal do sexo biológico. Como fica a vida em sociedade quando indivíduos obtêm o direito legal de serem reconhecidos como alguém do sexo oposto ou como algo que não existe – um ser humano nem homem, nem mulher? (Lembrando que pessoas intersexo, anteriormente conhecidas como hermafroditas, também são homens ou mulheres.) Os estabelecimentos serão obrigados a construir um terceiro espaço, para além dos tradicionais banheiros, vestiários e provadores de loja femininos ou masculinos? Há o dever legal de prestar o serviço militar? Aposentam-se com que idade mínima? Configuraria “crime de transfobia” referir-se a eles por um pronome masculino ou feminino, considerando que alguns exigem o uso de palavras desconhecidas pela população em geral como “elu”? Quando falamos que um indivíduo materialmente homem e que adere a alguns estereótipos como maquiagem ou vestidos não seria um homem” (e sim uma mulher, travesti ou um “terceiro gênero”), estamos desafiando ou reforçando estereótipos?

As doulas continuarão suas reflexões em suas recém-criadas redes sociais: Twitter, Instagram e Medium.

Linguagens “neutras” e “inclusivas”: doulas refletem sobre o impacto em seu trabalho e no direito à saúde das mães e bebês

 

Momento atual

Este texto foi gestado em 2020 no Brasil durante a pandemia de COVID-19. Nesse período, pautas como a mortalidade materna pela doença, o aumento da violência doméstica e da sobrecarga mental das mães por conta da divisão sexual do trabalho durante o isolamento social vieram à luz e ganharam destaque na mídia e nos círculos femininos online, lives e conversas entre grupos de mulheres e suas partilhas durante a quarentena. Foram elas que, além de trabalhar (adaptando-se ao home office ou arriscando-se no presencial), assumiram também a maior parte ou todo o cuidado e o acompanhamento da improvisada educação à distância das crianças e adolescentes. Nesse mesmo período, na data de 25 de junho, uma socióloga do Estado de São Paulo chamada Marília Moschkovich propôs na rede social Twitter que evitemos o uso da palavra “mãe”: 

 

Vê-se que Marília menciona processos fisiológicos que, até pouco tempo atrás, eram unanimemente reconhecidos como exclusivos de mulheres, os seres humanos do sexo feminino. A fala de Marília, que detonaria uma polêmica no Twitter e em outras redes sociais, aconteceu em meio às acusações de “transfobia” contra JK Rowling, autora da saga Harry Potter, a qual cometeu a ousadia de dizer que o sexo existe, é real e impactou consideravelmente sua vida e a de outras mulheres.

A exigência de uma linguagem “neutra” no universo da maternidade é algo recente e que está sendo obedecido sem reflexão. Exige-se o apagamento do sexo biológico em assuntos relacionados ao que, até pouco tempo atrás, chamávamos de “saúde feminina” ou “saúde da mulher” e que englobam a nossa biologia, fisiologia e anatomia e processos  como menstruação, menopausa, doenças específicas como câncer de colo de útero e – adentrando agora no ponto central deste texto – os relacionados à gestação, parto, puerpério e amamentação. Estas exigências estão repercutindo em toda a área de saúde e isso inclui a nossa categoria, que é importante para as que buscam um parto respeitoso. Os benefícios da doulagem são demonstrados cientificamente, como no estudo científico de Klaus e Kennel de 1991 sobre suporte emocional contínuo durante o parto: a presença da doula diminuiu

  • as taxas de cesárea (50%),
  • o parto a fórceps (40%)
  • a requisição de anestesia peridural (60%) 
  • a requisição de outros medicamentos para dor (40%)
  • a duração do trabalho de parto (25%) e, finalmente,
  • a necessidade de ocitocina (50%).

Doula faz parte e não “faz parto”; é sempre bom recordar esta máxima. A doula faz parte da equipe multidisciplinar que atende a mulher antes do parto no planejamento, durante o parto e no pós-parto. No pré-parto, trabalha prestando o serviço de educação perinatal, orientando a mulher e o (a) acompanhante para que consigam ter uma experiência positiva no parto, fazendo a tradução do que são as intervenções e o que dizem as evidências científicas, as recomendações da OMS, primeiros cuidados com o bebê, como localizar uma equipe ou hospital que atenda às expectativas… A partir deste trabalho, a mulher consegue produzir o seu plano de parto com mais confiança e o (a) acompanhante se sente mais seguro (a) para dar suporte a ela. No parto, a doula presta suporte emocional e físico com métodos terapêuticos não farmacológicos para alívio da dor (massagem, aromaterapia, spinning babies, etc.) e mantém o ambiente favorável para as condições do parto (luz apagada, som, etc.); no pós-parto, auxilia a mulher a reconstruir a história do parto, pode realizar alguma técnica terapêutica de pós-parto (massagem, fechamento do corpo etc.) e ajuda a identificar possíveis problemas em relação à amamentação e conexão com o bebê. O parto humanizado é centrado no protagonismo da mulher, baseado em evidência científica e equipe multidisciplinar. Ainda é preciso lutar por conquistas para a democratização do parto humanizado no Brasil e a redução da violência obstétrica, que é uma violência contra a mulher.

 

Como o apagamento de mulheres está acontecendo?

Doulas são uma categoria profissional que enfrenta hoje, além de uma pandemia que restringe o trabalho, a pressão do ativismo trans para mudar a linguagem. O uso de termos como “pessoas grávidas” e “pessoas gestantes” tem sido indicado e até mesmo imposto para garantir a inclusão de pessoas do sexo feminino que se identificam como homens trans, “não binárias”, “queers”, “gênero fluido”, “agênero”  dentre outros; algumas se reinvindicam como pais como Thammy Gretchen. Também existe problematização por parte de indivíduos do sexo masculino que se identificam como travestis, mulheres trans ou outros gêneros porque frases como “mulheres grávidas” seriam “excludentes com as mulheres trans”, uma vez que elas não podem engravidar. Estas exigências estão sendo obedecidas por diversos grupos, órgãos públicos e privados, legitimadas pela grande mídia e por algumas profissionais. Contraditoriamente, ao mesmo tempo em que se exige o apagamento do termo “mãe”, também se demanda o reconhecimento de pessoas do sexo masculino como mães, como é o retrocitado caso de Duda Salabert (PDT-MG, ex-PSOL-MG); em alguns casos, exige-se inclusive o registro como mãe biológicaA “linguagem inclusiva” também pode ser encontrada em materiais para redes sociais e sites produzidos pelas doulas que atuam no atendimento do ciclo gravídico-puerperal com temas relativos à educação perinatal. Em 2019 foi publicado um inusitado artigo científico chamado  “Midwifery Care for Transfeminine Individuals” (“Atendimento obstétrico de indivíduos transfemininos”) que defende a inclusão de pessoas do sexo masculino que se identificam como mulheres no atendimento ginecológico/obstétrico:

Este artigo foca na prestação de cuidados afirmativos e preventivos para indivíduos transfeminados – aqueles designados como homens ao nascer que se identificam como femininos ou no espectro feminino (…) Os cuidados de afirmação de gênero são clinicamente necessários, considerados cuidados primários para salvar vidas. (…) Especificamente, está dentro do escopo da prática de obstetrícia iniciar e gerenciar o GAHT (Gender Affirming Hormone Therapy) [terapia hormonal para afirmação de gênero] (…) “

“Os cuidados de saúde ginecológicos e primários de indivíduos transfeminados se enquadram no âmbito da prática de obstetrícia. A terapia hormonal de afirmação de gênero envolve o fornecimento de medicamentos familiares no contexto de redução de danos e escolha informada. Necessidades, objetivos e resultados dos cuidados de afirmação de gênero variam entre os indivíduos.” (…)  “A atenção ginecológica e primária à saúde de indivíduos transfeminados se enquadra no escopo da prática de obstetrícia.”

“Há um consenso de longa data de que as parteiras cuidam de pessoas com seios, ovários, útero e ou vagina. O que levou mais tempo para aceitar é que esses órgãos não são exclusivos das mulheres cisgêneros; eles também podem ser encontrados em indivíduos transfeminados ou transmasculinos. Além disso, os sistemas de órgãos não definem indivíduos – o termo mulher é interpretado adequadamente para incluir qualquer pessoa que se identifique como tal, independentemente dos órgãos presentes ou do sexo atribuído ao nascimento. Algumas parteiras preocupam-se com o fato de que cuidar de indivíduos transfeminados esteja fora das leis estaduais, que determinam o escopo da prática de obstetrícia. Como a maioria das leis estaduais não define a mulher, há uma oportunidade de discussão e defesa junto aos órgãos reguladores estaduais para a inclusão desse cuidado no escopo da prática de obstetrícia.

Quais os impactos dessa mudança na saúde das grávidas e mães, bem como no trabalho de profissionais ligadas e ligados ao parto – especificamente, doulas?

Desmembrar a experiência da gestação, parto, puerpério e maternagem de sua base material, que é o sexo feminino, prejudica o direito à saúde da mulher como um todo e também o nosso trabalho enquanto doulas. O primeiro problema é que esta suposta “linguagem inclusiva” atrapalha a comunicação e exclui mulheres, sobretudo as mais desfavorecidas, que não dominam esse jargão. Doulas geralmente estão vinculadas às associações regionais e se agrupam em coletivos menores em que há entre elas para promoverem encontros de educação perinatal, partilhas e relatos de parto criando espaço para as mulheres dividirem as suas histórias, o que as incentiva a buscar informações que as possibilitem ter um parto respeitoso e também, eventualmente, relatar como se sentiram ao passar por violências obstétricas. Através das experiências relatadas, as gestantes de variadas classes, etnias e orientações sexuais escutam outras em termos inteligíveis para todas. Usar “pessoas gestantes”, apagando o termo mulher dos materiais e textos de divulgação e comunicação com o nosso público, que são as mulheres gestantes e puérperas, é nocivo ao movimento pela humanização do parto e pelos direitos das que não possuem conhecimentos sobre a discussão acerca do direito à identidade de gênero e ou ao (s) conceitos (s) de gênero. Respeitar a constituição biológica é facilitar a comunicação àquelas que partem das realidades mais distintas e atingir o objetivo final, que é o empoderamento dessas mulheres para que busquem vivenciar um parto com respeito e tenham a plena confiança de que se trata de um evento fisiológico e que seus corpos são capazes de gestar e parir. Nas rodas de gestantes, mulheres estabelecem vínculos e uma rede de apoio, que as fortalece na busca do parto respeitoso e é comum que elas partilhem intimidades relacionadas à sua sexualidade. Mulheres tentantes também costumam frequentar a roda de gestantes, configurando esse espaço como de troca de saberes entre nós. 

A segunda consequência é que apagar o termo mulher atrapalha nossa luta por direitos. Priva-nos de uma linguagem direta capaz de comunicar nossas conquistas, rastrear patologias e violências (capitalizações que ocorrem justamente porque nascemos num corpo de mulher) e de termos estatísticas fidedignas, dificultando nossa organização e o pleito por políticas públicas. Nublar a realidade material confunde esta classe historicamente oprimida acerca das estruturas que sustentam sua opressão, cuja base é a capacidade reprodutiva da fêmea humana. Já enfrentamos uma realidade dura no cenário obstétrico brasileiro, que vai do número excessivo de cesarianas eletivas até as mais diversas violências obstétricas e o alto índice de mortalidade materna. Nesse sentido, precisamos nomear os problemas e também nomear a solução, que só pode acontecer na união política do grupo mais atingido por tais violações. Introduzir termos que advém de debates inconclusos no âmbito acadêmico não deve se tornar diretriz oficial de nenhum atendimento na saúde pública. No entanto, foi essa a prática utilizada pelo transativismo mais radical: adentrar os espaços de fundamentação política com elementos de uma agenda que exclui sumariamente a experiência das mulheres e invadir o território de direitos a duras penas conquistados como é o caso dos esportes.

O terceiro problema são os riscos para gestantes e bebês. As consequências podem ser desastrosas para pessoas do sexo feminino que se declaram homens trans ou outro gênero, colocando em risco suas vidas, saúde e também a vida e a saúde de seus bebês. Em 2019, foi noticiado o caso em que uma pessoa do sexo feminino que se identifica como homem trans procurou atendimento médico em um hospital com fortes dores abdominais; por sua aparência masculina, foi tratada como um homem obeso e instada a aguardar e não como alguém prestes a dar à luz. Seu bebê nasceu sem vida em uma cesariana de emergência- ao que se presume devido ao tempo de espera – e os profissionais de saúde foram largamente culpabilizados por terem sido “treinados para acreditar em apenas dois sexos”, o que faz pensar acerca dos riscos, inclusive jurídicos, aos quais esse negacionismo submete todo e qualquer profissional de saúde.

O quarto impacto negativo é impedir a discussão sobre as consequências que o denominado “processo transexualizador” estão tendo sobre bebês. O noticiário louva as decisões tomadas por adultos sem considerar o princípio do respeito à criança; recém-nascidos estão sendo privados de seu direito à amamentação porque muitas pessoas do sexo feminino que se autoidentificaram como homens decidiram passar por mastectomias eletivas e não irão amamentá-los ou os farão após anos de aplicações de testosterona, cujos resultados no leite materno, em relação à qualidade e a segurança para recém-nascidos, não são conhecidos. Também há riscos para bebês quando eles são “amamentados” por pessoas do sexo masculino (travestis, mulheres trans, não-binários etc.) que se declaram mães, pois essa secreção foi obtida através de hormônios artificiais femininos, não contém as mesmas substâncias do leite materno. Não foi comprovado se elas seriam seguras para os bebês, não foi debatido o quanto isso pode ser confuso para os pequenos receber “leite” de ambos os genitores e nem por quanto tempo o “aleitamento” pode ser mantido nesses casos, quando sabemos que o ideal é que ele seja exclusivo, em livre demanda e até os seis meses de idade. Recém-nascidos não têm capacidade para consentir com essa prática e não podem ser usados para legitimarem experimentos médicos e laboratoriais e nem as escolhas dos adultos.

 

O quinto problema é que retira o direito das grávidas de escolherem ser atendidas exclusivamente por doulas mulheres. O mundo da gestação e parto é repleto de um sentimento de pertencimento que é exclusivo aos corpos femininos que, potencialmente, são os que podem gestar e parir. Uma outra mulher compreenderá, por viver em um corpo feminino, o que outro corpo feminino está enfrentando. Toda mulher merece uma doula e merece também escolher definir como tal alguém do sexo biológico feminino, sem ser ameaçada de processo por “transfobia”. Inclusive por questões de privacidade, já que muitas mulheres encontram seu parto de uma forma natural e ficam nuas para parir. Além disso, outros fenômenos fisiológicos podem ocorrer durante um trabalho de parto, como urina e fezes, e preferem estar acompanhadas por outras mulheres para minimizar constrangimentos e evitar julgamentos masculinos.

O sexto é que prejudica as doulas (e outros profissionais de saúde relacionados ao parto) que definem mulheres e homens pelo sexo biológico para atendê-los corretamente. Compreendemos que, dentro de uma relação de trabalho, pessoas trans e travestis sejam tratadas pelos nomes e pronomes que desejem, mas talvez seja impossível prever todas as outras inúmeras situações que podem acontecer e colocar a doula em risco de processo judicial, linchamento público e de punições, sutis ou não, das associações às quais pertencem. Exemplificando: o que acontecerá se uma doula insiste em falar publicamente em “mulheres grávidas” após ter sido pressionada a dizer “pessoas grávidas”, se errar o pronome de um (a) cliente ou se apontar publicamente os riscos da chamada terapia hormonal para os bebês?

O sétimo problema é que a substituição silenciosa da categoria de “sexo” por “identidade de gênero”, sem a devida informação e debate político, tomou partes pelo todo e inseriu necessidades nunca antes verificadas quando se falava sobre as experiências históricas concretas das mulheres. Uma mulher na menopausa sabe que é uma mulher, apesar de não menstruar mais. Uma mulher que tirou o útero também. Uma mãe adotiva sabe que é mãe mesmo não tendo gestado e parido sua filha ou filho. Nos atendimentos individualizados, deve ser respeitado um atendimento personalizado que identifique como a mulher deseja ser chamada. Por exemplo, ao identificar que o caso é de uma gestação concebida por ato de violência sexual ou indesejada os profissionais devem ser treinados para respeitar como essa mulher se identifica e ao bebê, não pressupondo que é uma gestação desejada.

Estes exemplos indicam que a categoria mulher e suas derivações, entre elas a categoria mãe, não podem ser taxadas de “não inclusivas”. Ou que, talvez, devamos admitir que definições sejam, por natureza, exclusivas e que são centrais para lutas políticas. Muitos movimentos de mulheres foram formados por mães e avós e constituíram uma enorme força política ao longo do século XX. 

Conclusão: afinal, o que é ser de fato inclusivo?

Consideramos um compromisso histórico comunicar o que é nascer num corpo de mulher, porque mulheres continuarão nascendo e parindo neste sistema patriarcal. Ser mulher tem lastro na materialidade dos nossos corpos. É vital (literalmente!) que possamos falar de nossas questões sem melindres. O incômodo de um grupo não pode retirar de toda uma classe de seres humanos o direito de falar de sua realidade, que é nascer em um corpo que menstrua, engravida, gesta e pare. Não podemos invisibilizar mulheres e as questões advindas de nascer com anatomia feminina; menstruar, parir, amamentar são atos vinculados a uma condição biológica ainda não superada pelo saber científico. Sexo e gênero são coisas distintas e o segundo termo provoca inúmeras discussões acadêmicas há décadas, mas a luta para “garantir a igualdade de gênero”, “coibir a discriminação de gênero”, por fim à “violência de gênero” foi historicamente uma luta do sexo feminino. O “gênero” tratado desigualmente, o “gênero” discriminado, o “gênero” violentado foi e é o imposto ao sexo feminino. Portanto é preciso manter o movimento para que o sexo feminino não seja discriminado: o corpo feminino, quem tem a anatomia feminina. Independente de ele se reconhecer ou não como uma mulher, a anatomia de quem gesta é a feminina. 

Precisamos proteger o direito de meninas e mulheres serem chamadas de meninas e mulheres e também de mães de serem chamadas de mães. O que se denomina de inclusão trans, direitos trans, direito à identidade de gênero não pode significar a exclusão das mulheres que, compondo a quase totalidade do sexo feminino, não têm acesso a este debate, que tenham dúvidas e mesmo divergências em relação a essa mudança. Abolir todas as referências a mulheres grávidas para adotar “pessoas grávidas/gestantes” é apagar a realidade material dos corpos femininos e dificultar a rastreabilidade da violência sexual contra mulheres. Enquanto doulas, vemos esse desmembramento como um apagamento das fêmeas, da realidade material das mulheres. 

A doula cuida da mãe biológica de uma criança, independente de como essa pessoa se autoidentifica. Muitas passam por alterações sociais e ou corporais genericamente nomeadas como “afirmação de gênero” que podem influir no trabalho da doula como uso do nome social, uso de hormônios sintéticos e cirurgias feitas antes da gravidez. Respeitamos a autonomia de travestis, transexuais e outros indivíduos que declarem no espectro transgênero e todas as questões relacionadas a como esta pessoa quer ser chamada e outros detalhes desta relação de trabalho podem ser conversadas e explicitadas no plano de parto. Mas todos os seres humanos são gestados em um corpo feminino; as  pessoas nascidas no sexo feminino que se identificam como homens trans devem estar inclusas no atendimento da doula sem que as demais mulheres, incluindo as críticas a esta redefinição, sejam excluídas. Para inclui-los, deve ser traçada uma estratégia que não seja o apagamento das conquistas das mulheres em relação aos seus corpos. Os meios para se fazer inclusão devem acontecer pela construção de novas nomenclaturas que não invisibilizem as conquistas das mulheres, principalmente em ambientes em que os temas são primordialmente assunto delas como o ciclo gravídico-puerperal.

É preciso preservar a cultura da mulher, seus ritos de passagem, seus laços afetivos e linguagem, como um legado que deixamos para as gerações futuras. A força motriz da palavra mulher ecoa ao ouvido de outras mulheres e mostra que é possível expandirmos os nossos direitos a mais irmãs  até ressignificarmos coletivamente o que é nascer num corpo de mulher, nos possibilitando vivenciar nossos ritos com dignidade e respeito, livres da violência em razão do nosso sexo. Por todas nós, para todas nós. Existe um compromisso histórico de mulheres defenderem suas conquistas e visibilidade – enquanto mulheres.

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